Diego Riveira, Espalda
A professora sai de casa às 6h20min todas as manhãs. Em sua bolsa, além dos pertences habituais, a responsabilidade de incitar o desejo pela aprendizagem em seus alunos da periferia de Porto Alegre para que não criminalizem suas vidas e para que sejam retos em suas escolhas. Na última terça-feira enquanto caminhava em direção ao ponto de ônibus observou ao longe uma imensa bandeira de seu Estado anunciando as festividades no acampamento Farroupilha. Orgulhou-se.
Iniciaria um devaneio otimista acerca da vida se seus pensamentos não fossem duramente interrompidos por dois meninos - iguais a todos os outros - fitavam seus olhos pronunciando palavras fortes enquanto lhe surravam e pressionavam o cano prateado de uma arma contra seu corpo. Rapidamente levaram seus pertences e desapareceram na neblina correndo em direção ao brasão rio-grandense: tão iguais a todos os meninos que já conhecera, tão diferentes de todos que já a abordaram.
Recorreu algumas horas mais tarde à Oitava Delegacia de Polícia. Já em outro bairro, pois muito assustada preferiu passar o resto do dia na companhia de sua mãe e irmã. Lá pemaneceu aguardando o inspetor sentada, nervosa, em silêncio. Passadas quase duas horas o profissional da segurança aponta de dentro de sua sala em direção a ela e dirigindo-se a recepcionista fala em voz bastante alta: "Aquela ali não vou atender porque nem é da região e tá na hora do meu almoço".
Como não atender em hora de almoço se Delegacias mantém plantão vinte e quatro horas? Como não receber alguém que acaba de ser assaltado?
Eis que a cidadã, de filiação conhecida, CPF em estado regular, princípios éticos e políticos e ampla formação profissional se torna "aquela ali" e sente-se novamente violentada. Desta vez não por aqueles que estão a margem por disfuncionalidade emocional ou por conjuntura social, mas por um agente da segurança alguém com responsabilidades além das profissionais e que apesar disto a relega e a aliena de um direito básico sem sequer dirigir-lhe a palavra. Qual a maior violência?