21.2.06 |
![]() Mas aquela que faz barulho ao bater nos telhados de zinco: sons de minha infância. Manhãs frias, chuva a embalar o sono, ruídos da minha mãe vindo das outras peças do apartamento. Nesses momentos, eu sabia que tudo estava bem e que podia sonhar protegida. Para lá retorno agora e me aproprio de recordações. Algumas são puro olfato, como a loção pós-barba do avô acompanhada de batidinhas ritmadas das mãos no rosto, o cheiro da maquiagem da mãe e os seus trejeitos faciais e o perfume inigualável das camisolas da avó. Outras são movimentos. A mãe chegando e saindo de casa, sempre impecável, por vezes muito cansada. A irmã caçula subindo pelas portas, mas não como metáfora. Sabe-se lá como ela pulava de um marco para outro com a desenvoltura de um símio - mais tarde apaixonou-se por esportes radicais - caçava formigas e empinava pipas da janela do apartamento. As pipas eu também empinava, na verdade, nenhuma nunca subiu, mas gastávamos horas criando e imaginando se conseguiríamos fazê-las voar. Isso sempre da janela, pois morando em uma avenida não podíamos brincar na calçada. Também havia os aromas e movimentos que vinham da cozinha. E esses eram de vários tipos. O da empregada, carregado de alho denotava pressa e mecanicidade. Já a mãe, com calma preparava especialidades caseiras que nos reuniam a sua volta, mas foi observando minhas avós que conheci mundos culinários diversos. Uma, nona italiana, durona, óculos grossos, voz rouca e quase nenhuma paciência com crianças, cozinhava com maestria e em uma espécie de templo onde não era permitido tocar em nada. Em silêncio eu observava a pasta sendo preparada, os pastéis cortados, o grande moedor de carne e ela perguntando: "Vai ter guisado na tua casa? Tua mãe só sabe cozinhar com guisado". Sogras, mas esse já é outro ponto. A outra avó, de olhar perspicaz e muito disposta, cozinhava em uma ação normal, mas perfeita em sua execução e deliciosa em seu resultado: nada era calculado e rapidamente os pratos ficavam prontos e sem sujeira! Com ela eu brincava de comidinha, podia amassar o pão e fazer bonequinhos para assar com a massa. E foi sob sua supervisão que cozinhei pela primeira vez aos seis anos de idade. O avô falou-me sobre a vida dos adultos e a responsabilidade, deu-me uma bicicleta aos oito anos e a possibilidade de ter a profissão que eu queria aos pouco mais de dezoito. Na bicicleta eu nunca consegui andar direito, mas na faculdade eu deslizei com suavidade. Do pai lembro do jeito irreverente, dos cabelos desarrumados propositadamente - acho até que para implicar com a mãe que só vi escabelada uma vez quando doente - mas me recordo sobretudo da falta que ele fez ao longo desses anos. Construi-me assim, nas pipas que nunca voaram, no primor dos alimentos, nos cabelos desalinhados, nas fragrâncias que reuniram minha família em cuidados diversos, mas também no barulho da chuva nos telhados de zinco. Esse barulhinho aí, ó.. "Não fica mais vazia a casa, não fico nunca mais só. Patrícia Antoniete _________
Rabiscado por Caila às 1:00 PM |
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Gaúcha de Porto Alegre. Psicóloga, mãe e mulher. Gosto de livros, cinema e vídeo. Amigos, longas conversas, animais e viver bem! |
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