Foto, Manoel Passos
Quando pequena gostava de mexer nas gavetas da minha mãe. Procurava tesouros escondidos: colares, brincos, mas principalmente escritos de sua autoria. Havia histórias infantis, poemas, crônicas, e um livro vermelho de capa dura, meu preferido, onde amigas de infância haviam deixado mensagens em uma data distante. Eu achava graça: minha mãe, criança? Não nasceu mãe?
Em minha adolescência, buscava os poemas para parafraseá-los como querendo sugar-lhes o talento e aprender a ser suave e presente. Era época dos meus primeiros amores e foi também nesse período que vi minha mãe chorar por amor. Estranho, desconfortável, mas engraçado. Mulher? Mães poderiam ser mulheres?
Depois disso, ela não escreveu mais no caderninho e eu me tornei adulta. Tenho minhas próprias gavetas destinadas aos meus filhos tão reais em meu desejo. Agora, quando olho minha mãe ainda procuro por tesouros, não mais em suas gavetas, mas nas suaves marcas de seu rosto. Que histórias ela nunca ousou contar? Não há mais desconforto nem estranheza, mas ainda acho engraçado. Minha mãe está envelhecendo! Não me surpreendo com o efeito do tempo, mas com a jovialidade de seu caminhar, muito mais intenso do que as palavras do caderninho que, provavelmente, já nem existe mais!
"... há sem dúvidas quem ame o infinito,
há sem dúvidas quem deseje o possível ,
há sem dúvidas quem não queira nada.
Há 3 tipos de idealistas, e eu , nenhum deles.
Porque amo infinitamente o finito,
porque desejo impossivelmente o possível,
pq quero tudo , ou um pouco mais,
se puder ser, ou até se não puder ser ... "
Fernando Pessoa