Divido meu ambiente de trabalho com meu oposto. Linda, eternos saltos altos, cabelos alinhados, jamais sobrepeso, sempre ginástica. Eu, despojada, vindo da periferia ou de qualquer trabalho social, sempre correndo para chegar no horário, para diminuir o peso e para sair da inércia.
Ela, um casamento sólido, apartamento estruturado, metas a curto, médio e longo prazo. Eu, recém separada, mudando minha vida, não sabendo nem de que cor pintar as paredes do apartamento, compulsiva por literatura e pela vida.
Por algum motivo desde a faculdade dividimos tudo profissionalmente. Mesmo as gavetas separadas no início do consultório têm hoje suas fronteiras difusas. Minha colega, sempre precavida, guarda em seu espaço um estoque de dez barras de cereais - em média - de sabores variados, que ao serem contemplados por mim acabam sendo defasados.
Sempre a procura de guloseimas e com pouco tempo acabo lanchando o que encontro e nem sempre reponho meus furtos. Quando o faço por vezes troco os sabores ou não encontro a marca que ela consome e já aconteceu até, e dessa vez foi bem complicado, de guardar o papel sujo de volta na gaveta por estar muito concentrada fazendo outra coisa.
A colega jamais comeria um lanche que não fosse seu, ou guardaria uma coisa suja, mas em compensação deixa sempre os cabides tortos, meus livros fora de ordem na estante e não obstante solicita que eu reveja as testagens que aplica. Não que ela não saiba avaliá-las, mas faz parte do seu senso de pertença à sala esse comungar do trabalho.
Acabamos por formar uma boa equipe. Uma diz "mata", a outra "esfola, mas só amanhã". Uma determina "compra", a outra, "tudo bem, mas eu não tenho dinheiro porque alisei o cabelo". Uma esquece a sala suja, a outra limpa resignada. Como em uma comunhão sobrevivemos bem, eu investindo muito, ela ponderando. Eu, tolerando os cabides tortos e livros desordenados e ela, financiando meus lanches!